Suspensão de Contrato Administrativo: A Contagem do Prazo e a Emissão da Nota Fiscal

A Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 14.133/2021) trouxe previsões claras sobre os direitos do contratado diante do inadimplemento da Administração Pública, incluindo a possibilidade de suspender a execução contratual em caso de atraso de pagamento.

Contudo, na prática, surge uma dúvida importante: o prazo de 60 dias para suspender a execução começa a contar da emissão da nota fiscal ou do vencimento da obrigação de pagamento? Neste artigo, analisamos as hipóteses possíveis.

O fundamento legal: o que diz a Lei nº 14.133/2021

A base normativa está no artigo 137 da Lei nº 14.133/2021, que dispõe:

Art. 137. O contratado terá direito ao restabelecimento da relação contratual, por meio de alteração do contrato, com a finalidade de manter o equilíbrio econômico-financeiro inicial nas seguintes hipóteses:

I – quando ocorrer atraso superior a 3 (três) meses dos pagamentos devidos pela Administração em virtude de obras, serviços ou fornecimentos;

II – em caso de atraso superior a 2 (dois) meses nos pagamentos devidos pela Administração decorrentes de contratos de prestação de serviços ou de fornecimento;

III – em caso de impedimento de execução do contrato por culpa da Administração por prazo superior a 2 (dois) meses, incluídos os casos de suspensão de execução por ordem escrita da Administração;

IV – atraso superior a 2 (dois) meses, contado da emissão da nota fiscal, dos pagamentos ou de parcelas de pagamentos devidos pela Administração por despesas de obras, serviços ou fornecimentos;

V – alteração do projeto ou das especificações para melhor adequação técnica aos seus objetivos, por necessidade de modificação da equação econômico-financeira inicial;

VI – ocorrência de caso fortuito ou de força maior regularmente comprovada, impeditiva da execução do contrato.

§ 1º O contratado poderá optar pela suspensão da execução do contrato, independentemente de autorização judicial, até que seja normalizada a situação que tenha ensejado o rompimento do equilíbrio econômico-financeiro inicial, conforme previsto neste artigo.

§ 2º O contratado poderá optar pela rescisão unilateral do contrato nas hipóteses previstas neste artigo.

Fica claro que o atraso de pagamento pode ser contado a partir da emissão da nota fiscal, do vencimento do pagamento ou da parcela, sendo hipóteses alternativas e não cumulativas.

Análise dos dois cenários de interpretação

Apesar da clareza do texto legal, a prática contratual e a análise de risco recomendam atenção. Existem duas formas principais de interpretar a contagem do prazo de 60 dias para que o contratado possa exercer seu direito à suspensão.

No primeiro cenário, entende-se que o prazo deve ser contado a partir do vencimento da obrigação de pagamento, conforme estipulado no contrato ou edital. Essa interpretação se fundamenta na lógica do direito financeiro público, especialmente nas regras de liquidação da despesa estabelecidas na Lei nº 4.320/1964. Segundo essa visão, apenas após o vencimento do pagamento se configuraria a mora administrativa, permitindo que o contratado exerça seus direitos. Essa abordagem busca resguardar a relação contratual e evitar a caracterização precipitada de inadimplemento por parte da Administração.

Por outro lado, o segundo cenário interpreta que o prazo de 60 dias começa a fluir a partir da emissão da nota fiscal entregue corretamente à Administração. Essa leitura se baseia na redação expressa do artigo 137, inciso IV, que estabelece a emissão da nota fiscal como um marco autônomo para contagem do prazo, independentemente do vencimento formal da obrigação de pagamento. Essa interpretação favorece a proteção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, evitando que a Administração, por razões internas, demore indefinidamente para liquidar e pagar obrigações devidamente formalizadas pelo contratado.

Adotando a perspectiva do primeiro cenário, o contratado somente poderia suspender a execução contratual após o vencimento da obrigação e o decurso de 60 dias. Essa interpretação traz como vantagem a maior prudência jurídica e a preservação da relação institucional com o Poder Público, minimizando riscos de controvérsias administrativas. Contudo, ela expõe o contratado a um período prolongado de inadimplemento, afetando a previsibilidade financeira da execução do contrato.

Por sua vez, no segundo cenário, o contratado poderia suspender a execução simplesmente com base na emissão da nota fiscal e a passagem dos 60 dias, independentemente da existência de vencimento formal. Essa interpretação é mais alinhada ao texto literal da nova Lei de Licitações e assegura uma proteção mais efetiva contra atrasos administrativos, sendo especialmente relevante em contratações de grande impacto financeiro para o contratado.

Conclusão: qual interpretação adotar?

A interpretação mais técnica e alinhada ao texto literal da Lei nº 14.133/2021 é a que admite a contagem do prazo de 60 dias a partir da emissão da nota fiscal. Dessa forma, ultrapassado esse prazo sem pagamento, o contratado poderá exercer seu direito à suspensão da execução contratual, nos termos do § 1º do artigo 137.

Todavia, em determinados contextos, poderá ser estrategicamente aconselhável considerar também a data do vencimento da obrigação. A definição da melhor estratégia dependerá da análise do caso concreto, da natureza do objeto contratado, do histórico de relacionamento com a Administração e do impacto financeiro da medida.

Em qualquer hipótese, é imprescindível consultar um advogado, para que este analise juntamente com a empresa a situação específica.

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